Autores:
Jaime Andres Castañeda Barbosa
Engenheiro Geotécnico, BVP, Rio de Janeiro, Brasil, jaime.barbosa@bvp.eng.br
Jean Aparecido Viegas
Engenheiro Geotécnico, BVP, Belo Horizonte, Brasil, jean.viegas@bvp.eng.br
Wesley Durval Soares de Carvalho
Engenheiro Geotécnico, Vale, Belo Horizonte, Brasil, wesley.soares.carvalho@vale.com
RESUMO: Nos últimos anos, a segurança de barragens de rejeitos tornou-se uma preocupação crescente na indústria de mineração devido a falhas catastróficas que resultaram em perdas ambientais e humanas significativas (Smith et al., 2018; Doe & Co., 2019). Tais eventos ressaltam a necessidade de avaliar com precisão o potencial de liquefação de barragens de rejeitos (Brown, 2020), uma vez que os métodos convencionais de análise de estabilidade, baseados em equilíbrio limite, podem subestimar o risco de colapso por não considerarem a redução da resistência pós-pico (Lee et al., 2021). A modelagem numérica, empregando modelos constitutivos avançados, surge como uma ferramenta promissora para melhorar as previsões de estabilidade de tais estruturas (Zhao & Zhang, 2017). Em particular, o modelo NorSand, que foi desenvolvido para replicar o comportamento de areias densas sob carga (Been & Jefferies, 1985), e o modelo Hardening Soil – Small (HSSM), que é eficaz na captura de deformações de pequenas a grandes amplitudes (Benz, 2007), são de especial interesse. Este trabalho propõe um estudo inovador que aplica análises numéricas detalhadas para examinar o risco de potencial de liquefação em uma barragem de rejeitos operacional localizada em mina Gerais, incorporando modelos constitutivos avançados como o Hardening Soil – Small (HSS) e NorSand no software de elementos finitos Plaxis 2D. A pesquisa enfatiza a simulação da construção incremental da barragem e a avaliação de um cenário críticos que podem precipitar falhas progressivas. Através da análise comparativa, este estudo destaca as semelhanças entre os modelos HSS e NorSand em termos de predição de falhas, excessos de poropressão, trajetória de tensões, fator de redução de parâmetros (srf) e potencial de liquefação. Nossos achados revelam nuances importantes na performance dos modelos constitutivos, contribuindo para um entendimento aprofundado das condições de risco e fornecendo um caminho para estratégias de mitigação e design aprimoradas para estruturas geotécnicas desafiadoras.
PALAVRAS-CHAVE: Barragens de rejeitos, potencial de liquefação estático, modelagem numérica, modelos constitutivos, Gatilho.
KEYWORDS: Tailing Dam, Static liquefaction potential, Numerical model, Constitutive model, Triggers load.
1 INTRODUÇÃO
Os rejeitos, provenientes do processo mineral, são materiais granulares e/ou finos não plásticos que, quando dispostos hidraulicamente, tendem a formar camadas de material de baixa densidade, com alto grau de saturação, suscetíveis à liquefação pela aplicação de carregamentos não-drenados. O fenômeno da liquefação estática em barragens de rejeito de mineração tem sido amplamente estudado devido às potenciais consequências destrutivas de sua ocorrência, muitas vezes envolvendo perdas de vidas humanas além de danos econômicos, sociais e ao meio ambiente. De forma resumida, o conceito do fenômeno de liquefação pode ser entendido como a perda da resistência ao cisalhamento do material, induzido por acréscimos de poropressão.
Nos últimos anos, o interesse pela avaliação de liquefação de fluxo em rejeitos ganhou importância devido aos acidentes recentes em estruturas erguidas a montante. Adotando procedimentos conservadores, diretrizes internacionais (por exemplo, ANCOLD (2019)) recomendam assumir que a liquefação estática ocorrerá em rejeitos saturados quebradiços/contráteis e que é necessário verificar a estabilidade empregando resistência ao cisalhamento residual não drenada (straing-softening). Além disso, tem-se desenvolvido novas metodologias que utilizam técnicas de desaguamento dos rejeitos que promovam a redução da água residual incorporada no produto final vêm sendo estudadas de modo a minimizar os riscos das estruturas de deposição (FIGUEIREDO, 2007).
Assim, análises pelo método elementos finitos têm sido adotadas, buscando capturar o comportamento de amolecimento dos rejeitos em cisalhamento não drenado. Embora existam vários modelos constitutivos avançados e que oferecem maior precisão ao realizar a modelagem e a simulação, a dificuldade maior é a sua implementação e calibração do modelo.
Neste artigo são analisadas a construção em etapas de uma barragem e sua estabilidade no estado atual. Utiliza-se o modelo constitutivo NorSand, que foi desenvolvido para replicar o comportamento de areias densas e siltes não plásticos sob carga (Been & Jefferies, 1985), e o modelo Hardening Soil – Small (HSS), que é eficaz na captura de deformações de pequenas a grandes amplitudes e o comportamento de amolecimento não drenado mudando os módulos de rigidez (Benz, 2007). Ambos implementado no PLAXIS 2D, para avaliar a suscetibilidade da barragem à liquefação do fluxo, incluindo a geometria e o zoneamento da barragem, a fragilidade dos rejeitos e as condições freáticas. Finalmente, foi avaliado um possível gatilho devido ao alteamento da barragem.
2 ESTUDO DE CASO
O estudo de caso é de uma barragem de rejeitos de 75 metros de altura, que foi construída usando o método a montante. O maciço da Barragem é composto basicamente pelo Dique de partida, construídos com blocos de canga e transições e os alteamentos que foram implantados com o próprio rejeito disposto hidraulicamente no reservatório e empilhado na face da barragem com a utilização de tratores de esteiras e carregadeiras. Na região do maciço composta por rejeitos, a geometria da barragem é caracterizada por bermas com largura de aproximadamente 3 a 5 metros, com altura de banco de 5m entre bermas. A inclinação geral do talude da barragem é de aproximadamente 3,7(H):1(V).
A fundação é composta por materiais transportados e solos residuais. As unidades metamórficas ocorrem predominantemente na condição de solo residual, solo saprolítico e saprólito. A seguir, a Figura 01 apresenta a seção, sequenciamento construtivo e o zoneamento dos materiais.
A figura 1, mostra uma divisão entre a zona saturada e não saturada, sendo o material que se encontra embaixo do NA o rejeito saturado com comportamento não drenado e acima do NA o rejeito não saturado definido pelas curvas de retenção (SWCC).
3 CARACTERIZAÇÃO GEOTÉCNICA DO REJEITO
O rejeito foi representado no modelo conservando o zoneamento definido com base nos resultados brutos dos piezocones em função dos locais de execução e do método de disposição do rejeito na Barragem. Buscou-se examinar os resultados brutos dos piezocones em função dos locais de execução e do método de disposição do rejeito na Barragem. A campanha de ensaios de campo e laboratório auxiliou na caracterização do comportamento mecânico do rejeito, sendo definido como um silte arenoso, sem plasticidade, com resistência de ponta variando entre 10 – 20 Mpa, resistência lateral de 0.9 – 1.0, parâmetro de estado de 0.1 no 50 percentil, Ic entre 1.7 e 2.3, IB de 40 – 60, tempo para atingir o 50% de dissipação poropressão t50 entre 57 – 1, 𝐺0 de 100MPa e 𝑚 de 0.5. Os ensaios de compressão triaxial isotrópica não drenados (CIU) e drenados (CID), auxiliaram na definição da linha de estado crítico 𝜆, Γ, parametro de estado , 𝜓 = 0.1 e parâmetros de resistência Mtc, c`e 𝜙`. A linha de instabilidade foi definida a partir dos ensaios CIU, o valor calculado foi de 18°.
As figuras 2 e 3, apresentam o resumo dos ensaios de laboratório a diferentes tensões confinantes e estados (denso ou fofo) após do adensamento do corpo de prova (consolidação 1D).
A figura 4 apresenta os ensaios de campo realizados SCPTu e CPTu.
4 CALIBRACAO DOS MODELOS CONSTITUTIVOS
O modelo constitutivo HSSM foi implementado no Plaxis. Este modelo fundamenta-se na captura do potencial de liquefação gerado por acréscimos de carga e comportamento não drenado do material. O cisalhamento não drenado ocorre a volume constante, ou seja, um equilíbrio entre as deformações volumétricas elástica e deformações volumétricas plásticas 𝜀𝑣 = 𝜀𝑒 + 𝜀𝑝 = 0 permitindo capturar a resistência não drenada pico e residual (strain-hardening e strain-softening). A calibração dos parâmetros de resistência efetiva (c`,𝜙`) é feita mediante ensaios de laboratório CIU e CID. Os parâmetros na zona elástica são calibrados dos ensaios de campo SCPTu e Bender element a diferentes tensões confinantes (𝐺0, 𝑚), os parâmetros de rigidez(𝐸𝑜𝑒𝑑 𝑟𝑒𝑓,𝐸𝑢𝑟 𝑟𝑒𝑓) são calibrados de ensaios de adensamento. Outros parâmetros tais como, 𝛾0,7, vu, 𝐾0 𝑛𝑐 e 𝑅𝑓 são obtidos por calibração (Sottile 2021, 2023). O HSSM não se baseia na teoria dos estados críticos, porem o índice de vazios e o parâmetro de estado não é usado como parâmetro de entrada.
O modelo constitutivo de NorSand se baseia na linha de estados críticos sendo o parâmetro de estado um dos parâmetros principais durante a calibração, sendo calibrado mediante ensaios de campo e laboratório. A calibração dos parâmetros de entrada e feita com ensaios de laboratório CIU e CID na obtenção da linha de estado crítico e os parâmetros de dilatancia são obtidos de ensaios drenados com comportamento denso. Para mais informações o livro de Jefferies (1993) e Been e Jefferies (2016).
A figura 5 apresenta a calibração do modelo constitutivo de Hardening soil-small e de NorSand para uma tensão confinante de 200 kPa no gráfico de tensão x deformação e seus respetivos parâmetros de entrada.
5 MODELAGEM NUMERICA
5.1 GEOMETRIA E MALHA DE ELEMENTOS FINITOS
A geometria e a malha dos elementos finitos do modelo são apresentadas na figura 6. O modelo tem uma largura total de 660 m e uma altura máxima de aproximadamente 220 metros, o modelo foi estendido com o intuito de não ter influencias de borda. Observa-se que para a seção em estudo a malha gerada apresenta 11921 elementos triangulares e 95895 nós para a cota final de construção. A configuração do nível de água foi obtida mediante históricos de INAs, Piezômetros, CPTu e ensaios de dissipação para o estado final de construção. Durante a construção da barragem o NA foi obtido mediante analises de percolação. Para a modelagem da condição atual da Barragem, será utilizado o programa de elementos finitos Plaxis, versão 2D, da empresa Bentley Systems.
Figura 06 – Malha de elementos finitos.
5.2 RESULTADOS DA MODELAGEM NUMERICA
A análise numérica busca representar a condição da Barragem no estado atual, alteando cada 2.5 metros e um possível gatilho devido ao carregamento do material. Os resultados apresentados são para o final da construção, avaliando a resistência mobilizada após de atingir o pico (pós-pico), potencial de liquefação, trajetória de tensões e SRF.
A figura 7 apresenta os pontos de controle avaliados e uma separação dos resultados obtidos na figura 8 entre os comportamentos de endurecimento e amolecimento na região do rejeito da barragem
5.3 AVALICÃO DO CARREGAMENTO ADICIONAL (GATILHO)
A barragem mostrou pontos nos quais chegaram a ter um amolecimento, mas não atingiram a zona de volume constante ou ruptura. A figura 11 apresenta um carregamento adicional de 30 metros, o equivalente a 700 kPa (gatilho), sendo incluso de forma instantânea. É vista uma ruptura global pelo método de redução de parâmetros, dado um comportamento não drenado e um valor de SRF na ordem de 1.
A figura 12 apresenta os máximos excessos de poropressão devido ao carregamento nos modelos HSS e NorSand e a figura 13 apresenta os resultados das trajetórias de tensões (direita) e o gráfico tensão x deformação (esquerda), observando-se uma boa correlação entre os dois modelos constitutivos.
A figura 12 apresenta o resultado da avaliação do ponto de controle na figura 11. Observando-se um comportamento não drenado na trajetória de tensões (observasse a esquerda da figura 12) e um amolecimento no gráfico tensão x deformação que atinge a resistência residual (observasse a direita da figura 12).
5 CONCLUSÕES
Neste artigo, dois modelos constitutivos: HSS e NorSand, foram calibrados empregando dados reais de rejeitos e, em seguida, aplicados em um modelo numérico para simular a construção da barragem até o estado atual e após um possível gatilho, sendo visto que os dois modelos conseguem capturar o comportamento de liquefação e possíveis pontos de amolecimento durante a construção da barragem.
AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de expressar sua sincera gratidão à Vale e BVP pelo apoio e incentivo na elaboração desse trabalho. Em especial agradecemos aos demais membros da equipe do projeto que de alguma forma contribuíram para o desenvolvimento deste estudo
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANCOLD, 2019. Guidelines on tailings dams – Planning, design, construction, operation and closure.
Been, K. and Jefferies, M. 2016. Soil liquefaction: a critical state approach. Taylor & Francis.
Sottile M, Cueto I, Sfriso A, 2020. A simplified procedure to numerically evaluate triggering of static liquefaction in upstream-raised tailings storage facilities