Autores:
Fernanda Ferreira Silva
Engenheira Geotécnica, BVP Geotecnia & Hidrotecnia, Belo Horizonte, Brasil,
fernandafsmares@gmail.com
Rayala Lisboa Masensini
Engenheira Geotécnica, BVP Geotecnia & Hidrotecnia, Belo Horizonte, Brasil,
rayala.lisboa@gmail.com
Nicolas Marques de Aguiar Brandão
Engenheiro Geotécnico, BVP Geotecnia & Hidrotecnia, Belo Horizonte, Brasil,
nicolasmarquesbrandao@gmail.com
Antônio Serpa Freire
Engenheiro Geotécnico, BVP Geotecnia & Hidrotecnia, Belo Horizonte, Brasil,
antonio.asfreire@gmail.com
Fernanda Yamaguchi Matarazo
Engenheira Geotécnica, Progen S.A, Belo Horizonte, Brasil,
fernandaymatarazzo@gmail.com
RESUMO:
Para entendimento dos comportamentos dos solos naturais com geração de poropressão, faz-se necessário a definição dos parâmetros de resistência não drenada destes materiais, para que a análise seja coerente e confiável, particularmente no que tange as regiões da diversidade geológica do Quadrilátero Ferrífero. A caracterização de tais solos enfrenta desafios interpretativos, enfatizando a necessidade de análises
representativas do comportamento de cada solo. Tratando-se de solos naturais do Quadrilátero Ferrífero, é visível a predominância nas fundações, de solos residuais. Este artigo conduz uma abrangente discussão sobre a metodologia de análise da definição dos parâmetros de resistência não drenados. Dessa forma, a multiplicidade de metodologias aplicadas para distintos tipos de solo, pode gerar incertezas e ambiguidades na seleção e aplicação ideal para casos específicos, levando em consideração suas eventuais discrepâncias e restrições. Os resultados apresentados tem como objetivo aplicar uma interpretação dos ensaios de resistência em solos naturais, com geração de poropressão, identificando as envoltórias de resistências para cada tipo de comportamento das trajetórias de tensões, demostrando o cuidado ao correlacionar com metodologias aplicadas para outros tipos de materiais. A pesquisa ressalta a importância de uma compreensão aprofundada das propriedades dos solos locais e defende uma abordagem mais holística na análise de estabilidade, para aprimorar as estimativas dos parâmetros de resistência.
PALAVRAS-CHAVE: Resistência Não Drenada, Solos Naturais, Quadrilátero Ferrífero, Quasi-steady State.
ABSTRACT:
For understanding the behaviors of natural soils with pore pressure generation, it is necessary to define the undrained resistance parameters of these materials, so that the analysis is coherent and reliable, particularly regarding the geological diversity regions of the Iron Quadrangle. The characterization of such soils faces interpretive challenges, emphasizing the need for representative analyses of the behavior of each soil. When
it comes to natural soils of the Iron Quadrangle, the predominance of residual soils in foundations is visible. This article conducts a comprehensive discussion on the methodology of analyzing the definition of undrained resistance parameters. Thus, the multiplicity of methodologies applied for any type of soil can generate uncertainties and ambiguities in the selection and ideal application for specific cases, taking into consideration their eventual discrepancies and constraints. The results presented aim to apply an interpretation of resistance tests on natural soils with pore pressure generation, identifying the resistance envelopes for each type of stress path behavior, demonstrating the care in the correlation with methodologies
applied to other types of materials. The research highlights the importance of a thorough understanding of the properties of local soils and advocates for a more holistic approach in stability analysis to improve estimates of resistance parameters.
KEYWORDS: Undrained Shear Stress, Natural Soils, Iron Quadrangle, Quasi-steady State.
1 INTRODUÇÃO
Para uma avaliação geotécnica de uma estrutura, sejam barragens, pilhas, taludes ou diques, é de suma importância a avaliação, objetivando reconhecer se os solos componentes no seu maciço ou fundação apresentam condições de carregamento não drenado e assim sendo, a determinação desse parâmetro de resistência. Contando com a interpretação concisa dos ensaios de laboratório, e também a avaliação de
campo e suas particularidades, respeitando a metodologia aplicada para cada tipo de comportamento apresentado, fica assegurado que os resultados obtidos são as estimativas baseadas em ensaios laboratoriais para definição do comportamento do material em softwares de análise.
Segundo Terzaghi e Peck (1996), para uma melhor compreensão do conceito do parâmetro de resistência de cisalhamento não drenada do solo, é quando ocorre o carregamento no solo de forma mais rápida que a dissipação dos excessos de pressões neutras geradas no maciço terroso. Esse parâmetro pode serdeterminado através de ensaios de laboratório, como ensaios triaxiais adensados e não drenados (CIU), que serão discutidos nesse estudo, bem como na análise de campo.
Tratando de solos naturais siltosos e arenosos, pode ser visto que é necessária uma análise mais abrangente das solicitações aplicadas na estrutura e na análise das envoltórias de tensões efetivas, já que apresentam condições bem distintas em relação a rejeitos, por exemplo, e estes podem apresentar um cenário não drenado, quando demonstram comportamento contrátil. O que pode ser um desacordo de muitos engenheiros, porém, falhas caracterizadas por condições não drenadas podem ocorrer de forma rápida com pouca ou nenhuma indicação de falha. Sabendo-se que entendimentos de mecanismos de falhas não drenadas, inadequados, levando a extremas consequências, é um fator que representa em média 50% dos casos de falhas, de acordo com Scott Martens (2024), na apresentação da Universidade de Alberta.
O comportamento de um material é governado pelas tensões efetivas e a geração de poropressão influencia diretamente neste estado de tensões. Sendo assim, discute-se a interpretação dos resultados dos ensaios para a determinação se aquele solo apresenta uma condição não drenada, assim como a utilidade da condição não drenada para solos naturais. Levando em consideração, quando há dúvidas sobre a definição do estado crítico das amostras por tensões efetivas e principalmente como essas tensões são mobilizadas durante a solicitação do cisalhamento.
Vale ressaltar que, avaliando somente a permeabilidade do solo, não é possível determinar que seja a condição mais desfavorável para o solo com comportamento não drenado ou drenado. Cabe analisar também o tempo de carregamento, ou seja, o tempo de duração da execução de obras.
Os resultados apresentados neste estudo são evidenciados através da metodologia proposta por Olson e Mattson (2008), a fim de aplicar a interpretação dos ensaios de laboratório e a obtenção de parâmetros de resistência não drenada do solo saprolítico de xisto com geração de poropressão, demostrando o cuidado de não correlacionar com metodologias aplicadas para outros tipos de materiais.
2 – METODOLOGIA
De posse dos ensaios de compressão triaxial não drenado (CIU) de um solo saprolítico de xisto predominantemente silto-arenoso a siltoso, com pouca argila, localizado na zona nordeste do Quadrilátero Ferrífero na região de fechamento do Sinclinal Gandarela, foi possível tratar e plotar os gráficos de análise e principalmente o de tensão deformação e da trajetória de tensões. A metodologia discorreu em três momentos para avaliar primeiramente se o solo apresenta um comportamento característico para a condição de avaliação da resistência não drenada.
No primeiro momento, no diagrama de tensão deformação, foi avaliado se há um comportamento strain softening (amolecimento) ou strain hardening (endurecimento) e o intervalo da deformação limite das amostras. No segundo momento, foram analisadas as envoltórias na trajetória de tensões que apresentaram o comportamento quasi-steady-state (estado quase estacionário), em curva com formato “s”, observando minuciosamente em qual trecho as máximas desviatórias foram geradas no cisalhamento para que fosse funilada as amostras que obtiveram um comportamento contrátil. Finalmente, no terceiro momento, foram analisadas, ainda na trajetória de tensões, os comportamentos definitivamente contráteis e também o trecho em que houve a máxima desviatória no cisalhamento.
Após esses três momentos, e de posse dos comportamentos das envoltórias em que foi possível verificar o excesso da poropressão, foram utilizados os dados das amostras selecionadas que apresentaram esse comportamento contrátil para a análise de resistência não drenada. Assim, foram plotados os gráficos conforme metodologia de Olson & Mattson (2008) para a determinação da resistência não drenada Su/𝜎′v.
De posse dos resultados, foi analisado com criticidade, respeitando a metodologia, e ressaltando a
compreensão aprofundada do solo estudado, incorporando dados de campo para aprimorar as estimativas dos
parâmetros de resistência, defendendo uma abordagem mais holística na análise de estabilidade.
3 – Interpretação das envoltórias no ensaio triaxial CIU e a determinação da resistência não drenada
Para este estudo, foram selecionadas amostras de solo saprolítico de xisto, material característico nas fundações de barragens no Quadrilátero Ferrífero. A Tabela 1, a seguir, apresenta os dados respectivos de cada amostra utilizada para essa análise, representando os diversos estados de tensões (p’ e q) que foram sujeitos os corpos-de-prova pela tensão confinante (σ’3f), e a resistência ao cisalhamento não drenada do solo
(Su/𝜎′𝑣).
No primeiro momento, foi feita a análise do diagrama de tensão deformação, em que é tradicionalmente, de acordo com Terzaghi e Peck (1996), a utilização da análise do pico da curva para associar a ruptura dos corpos de prova, porém, existe também solos que se comportam de forma strain hardening, em que acontece o enrijecimento das partículas progressivamente, e a análise de um parâmetro não drenado não fica tão óbvia. Devendo-se analisar a deformação daquela amostra e no trecho em que ela atinge o estado crítico.
Na Figura 1 é apresentado o diagrama tensão deformação das amostras do solo saprolítico de xisto, em que a maioria das amostras apresentaram comportamentos strain hardening e conforme o critério de ruptura proposto por Campos e Carrillo (1995), onde é proposto um critério de ruptura para esses solos que não apresentam esse comportamento com o pico tão visível, analisando o intervalo em que a curva apresenta uma
inclinação constante, correspondendo ao estado crítico, que a partir daquele ponto cujas deformações passam a ser nulas.
Sendo assim, foi percebido uma ruptura após longas deformações na maioria das amostras, que conduz realmente a parâmetros de resistência superiores. É importante ressaltar que as amostras 3, 4 e 5 não se encontravam disponíveis os dados brutos do ensaio, apenas o relatório de laboratório, entretanto nas figuras da tensão desviatória elas obtiveram o mesmo comportamento das amostras 1 e 2 apresentadas na figura a seguir.
Considerando o comportamento strain hardening do solo, não deve ser descartada a análise da trajetória de tensões para a avaliação se há uma redução do p’ na etapa de cisalhamento enquanto não há redução da poropressão. Portanto, no segundo momento, analisando o gráfico de tensões efetivas, o solo natural em questão, apresentou comportamentos distintos, amostras claramente dilatantes, amostras com comportamento quasi-steady state ou quase estado estável, e amostras claramente contráteis.
Analisando então as amostras em curva “s”, ou quase-steady state, que apresentam inicialmente um ganho de poropressão nas tensões confinantes iniciais e após a deformação de aproximadamente 10%, as amostras dissipam a poropressão, sendo importante avaliar em qual fase do comportamento aquela amostra apresentou seu estado crítico, ou na sua fase de ganho de poropressão, em que, ela realmente não suporta
esse excesso e tende a não drenar, solicitada a tais tensões, ou se a amostra rompe em um ponto que já dissipou aquele aumento de poropressão, que, nesse caso ela suportaria tais tensões e drena antes de romper.
A Figura 2 apresenta de forma clara esse comportamento.
Um total de oito amostras apresentaram esse comportamento quasi-steady-state e analisadas uma por uma, nenhuma amostra obteve um comportamento dissipativo de poropressão.
No terceiro momento foi gerado um diagrama com todas amostras que apresentaram o comportamento contrátil e os pontos de máxima desviatória indicados em vermelho, conforme Figura 3.
Após a análise dos três momentos, ficou claro a necessidade da avaliação do comportamento de resistência não drenada no referido material, já que, mesmo que ele não apresente um pico bem definido no gráfico de tensão deformação, e sim um excesso de poropressão nas trajetórias de tensões. Partindo para a metodologia da definição do parâmetro de resistência não drenada definida por Olson & Matson (2008), em que, pode ser definida pela Equação 1, sendo o quociente da tensão desviatória pela tensão confinante.
Onde: Su é a resistência não drenada; 𝜎′𝑣 a tensão vertical efetiva; 𝜎1 é a tensão total principal maior e 𝜎3 é a tensão confinante.
A partir dessa equação, normalizando a resistência não drenada (Su) pelas tensões confinantes, foi plotado o gráfico de Su/𝜎′v, conforme Figura 4. Analisando o diagrama, foi possível observar que há três valores na tensão confinante de 100kPa, e esse valor se coincide na tensão de 150kPa, após essa tensão observa-se uma tendência de aumento de Su, dessa forma foi definido o Su mínimo de 50 kPa e traçada a linha de tendência, que obteve uma sequência de pontos bem próxima e satisfatória, com coeficiente de ajuste próximo à unidade. A partir da equação da linha de tendência foi determinado o valor de resistência não drenada para esse material, isto é, Sumín igual à 50 kPa e relação de resistência não drenada normalizada pela tensão confinante de 0,34.
4 – CONCLUSÃO
A partir das análises dos resultados apresentados neste estudo, foi observado que, para a definição do parâmetro de resistência não drenada é necessário a verificação de abrangentes situações e do comportamento do solo. Nos gráficos de tensão deformação, não se obteve picos bem definidos para a avaliação do pico de ruptura, e foi observado um comportamento strain hardening, logo, fazendo com que as avaliações para o desenvolvimento deste trabalho partissem para as trajetórias de tensões, onde foram selecionadas apenas amostras em que houve comportamento contrátil, gerando um excesso de poropressão nos corpos de prova e a obtenção do ponto da máxima desviatória.
Posteriormente partiu-se para a metodologia de Olson e Mattson (2008) para a definição do parâmetro de resistência não drenada, para a qual foi definido um critério de Su mínimo de 50kPa e relação de resistência não drenada normalizada pela tensão confinante de 0,34, a partir da qual, foram observados resultados representativos para o material de estudo em diferentes níveis de tensões aplicadas sobre o corpo de prova.
De posse do resultado de resistência não drenada para o solo saprolítico de xisto, e discorrido toda essa análise, gera-se uma avaliação confiável à aplicação desse parâmetro para as análises de estabilidade da estrutura que contém essa geologia na sua fundação, aprimorando a estimativa de forma bastante coerente com a região e as solicitações e restrições que a estrutura pode apresentar.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a BVP Geotecnia e Hidrotecnia pela disponibilização dos dados e apoio técnico, bem como aos familiares e amigos que foram imprescindíveis para a realização desse trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Olson, S, M; Mattson, B, B. (2008) Mode of shear effects on yield and liquefied strength ratios. Canadian Geotech, J. Vol. 45. Canadá.
Scott Martens (2024) Apresentação da Universidade de Alberta: Selection of Strength Parameters for Stability Analysis of Mining Earth Structures.
Duncan, J.; Wright, S. G; Brandon, T.L.; (2014) Soil Strength and Slope Stability, 2rd ed., Wiley, Hoboken, New Jersey, USA.
Terzaghi, K., Peck, R.B. (1987) Soil Mechanics in Engineering Practice, 3rd ed., McGraw Hill, New York, NY, USA, 161 p.
Lemos, S.G.F.P. (2014) Estudo da resistência não drenada de solo de baixa consistência por meio de ensaios de campo e laboratório Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil, Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil, Universidade Federal do Espírito Santo, 183 p.
Denise M. S. Gerscovich – FEUERJ (2010) Faculdade de Engenharia Departamento de Estruturas e Fundações – Resistência ao Cisalhamento.