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Avaliação de Susceptibilidade à Liquefação Estática por Ensaios Direct Simple Shear em Rejeitos de Minério de Ferro Filtrados e Compactados

Avaliação de Susceptibilidade à Liquefação Estática por Ensaios Direct Simple Shear em Rejeitos de Minério de Ferro Filtrados e Compactados

Autores:

Thiago Augusto de Castro e Souza

Engenheiro Geotécnico, BVP, Belo Horizonte, Brasil, thiagoaugusto.souza@bvp.eng.br

Caroline das Dores Zeferino

Engenheira Geotécnica, BVP, Belo Horizonte, Brasil, caroline.zeferino@bvp.eng.br

Diego Moreira da Silva

Engenheiro Geotécnico, BVP, Belo Horizonte, Brasil, diego.silva@bvp.eng.br

Fernanda Yamaguchi Matarazo

Engenheira Geotécnica, Progen S.A, Belo Horizonte, Brasil, fernandaymatarazo@gmail.com

André Gonçalves de Azevedo

Engenheiro Geotécnico, VALE, São Gonçalo do Rio Abaixo, Brasil, andre.azevedo1@vale.com

RESUMO: A importância de se avaliar a susceptibilidade à liquefação em estruturas de mineração decorre do potencial dano que sua ocorrência implica à sociedade e ao meio ambiente, bem como as consequências econômicas, sociais e políticas decorrentes. Compreender os aspectos condicionantes e os métodos necessários para afastá-la gera ganhos de segurança durante a operação e após o fechamento dessas estruturas. Sob esse ponto, o presente estudo propõe uma metodologia para avaliação de susceptibilidade à liquefação em rejeitos de minério de ferro filtrados e compactados pelo ensaio Direct Simple Shear (DSS) através da comparação entre as razões de resistência de pico obtidas do ensaio e o intervalo de valores da retroanálise de casos históricos de rupturas por fluxo. A metodologia constitui-se em revisão bibliográfica e estudo de caso em uma pilha de rejeitos filtrados e compactados, cujas amostras foram coletadas em diferentes locais e profundidades da estrutura. Os resultados mostraram que as razões de resistência nas baixas deformações cisalhantes, onde ocorre a maior mobilização de poropressão, aproximam-se dos intervalos dos casos históricos, elevando-se posteriormente até atingir a resistência de pico em grandes deformações devido à dissipação da poropressão. A resposta observada no ensaio DSS é consistente com a resposta dilatante das mesmas amostras ensaiadas em ensaios triaxiais CIU. O estudo demonstra que, tomados os cuidados para que a estrutura não adquira nível freático permanente dentro do aterro, o controle da mistura, filtragem e compactação conferem ao rejeito características que o diferencia dos materiais liquefeitos dos casos históricos.

PALAVRAS-CHAVE: Liquefação, Ensaio DSS, Pilhas de Rejeitos de Minério de Ferro, Controle Tecnológico.

ABSTRACT: The importance of assessing liquefaction susceptibility in mining structures stems from the potential damage its occurrence implies for society and the environment, as well as the resulting economic, social, and political consequences. Understanding the influencing factors and the necessary methods to mitigate it yields safety benefits during operation and after the closure of these structures. From this perspective, the present study proposes a methodology for evaluating liquefaction susceptibility in filtered and compacted iron ore tailings using the Direct Simple Shear (DSS) test, by comparing the yield strength ratios obtained from the test with the range of values from a retroanalysis of historical cases of flow failures. The methodology involves a literature review and a case study on a pile of filtered and compacted tailings, with samples collected from different locations and depths within the structure. Results showed that the strength ratios at low shear deformations, where the greatest pore pressure mobilization occurs, approach the historical case ranges, later increasing to reach yield strength at large deformations due to pore pressure dissipation. The response observed in the DSS test is consistent with the dilatant response of the same samples tested in CIU triaxial tests. The study demonstrates that, provided precautions are taken to prevent the structure from reaching a permanent water table inside the landfill, control over mixing, filtering, and compaction gives the tailings distinct characteristics that set them apart from liquefied materials in historical cases.

KEYWORDS: Liquefaction, DSS Test, Iron Ore Tailings Piles, Technological Control.

1- INTRODUÇÃO

 Desde os desastres de Mariana em 2015 e Brumadinho em 2019, cuja forma de disposição dos rejeitos era a disposição hidráulica em barragens, a liquefação se tornou tema de preocupação pública para além das áreas acadêmica e técnica. Diante desse cenário, as pilhas de disposição de rejeitos filtrados (PDRs) vêm se tornando cada vez mais utilizadas na mineração brasileira, uma vez que são consideradas mais seguras às barragens devido ao processo de filtragem dos rejeitos anterior à disposição, embora também não livres de serem susceptíveis ao fenômeno.

A liquefação é observada em solos não coesivos, porosos e saturados sob cargas não drenadas (TERZAGHI, 1925). Muitos autores buscam mapear os casos históricos de rupturas em fluxo, a fim de se obter dados e informações que pudessem alimentar suas retroanálises e encontrar correlações com aspectos críticos nas estruturas que podem condicioná-las ao fenômeno.

Em seu estudo, Olson (2001) apresenta uma análise em que são levantados dados de casos históricos de rupturas em fluxo, comparando-os com resultados de diversos ensaios de laboratório e ensaios de resistências de penetração CPT e SPT. O autor mostra uma comparação de valores retroanalisados de razões de resistência não drenada de pico (Su/σ’v) entre falhas por rupturas de fluxo induzidas por carregamentos estáticos, deformações e sismos, que se concentram dentro de uma faixa quase comum de razões de resistência de pico. A observação apresentada por Olson (2001) motivou estudos posteriores que compararam as razões de resistência de pico de amostras liquefeitas em laboratório por diversos ensaios (OLSON & MATTSON, 2008), com o objetivo de se identificar o modo de cisalhamento de maior influência no mecanismo da liquefação e o ensaio que melhor represente a reprodução desse fenômeno com o campo. Tal necessidade se justifica pela importância de se controlar as propriedades do material disposto durante a operação e construção da estrutura, ao passo em que ensaios de penetração necessitam de uma altura mínima construída para sua execução.

Nesse sentido, o ensaio de cisalhamento direto simples (Direct Simple Shear – DSS) mostrou-se promissor, pois nele há a liberdade de rotação das tensões principais atuantes na amostra, o que é mais realista à falha de ruptura por fluxo. Além disso, seus resultados apresentam-se em um intervalo intermediário entre a compressão triaxial e a extensão triaxial (OLSON & MATTSON, 2008), tornando-o um método satisfatório em termos de segurança com os parâmetros de resistência fornecidos dele.

O objetivo do trabalho, portanto, é avaliar uma pilha de disposição de rejeitos do estudo de caso através dos resultados de ensaios DSS monotônicos em amostras indeformadas de diferentes pontos do maciço. São também executados ensaios triaxiais CIU nas mesmas amostras, de modo a avaliar o comportamento dilatante, por ser um ensaio que apresenta boa visualização do comportamento mecânico da amostra ensaiada.

2- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 Liquefação: Conceito e Aspectos Condicionantes

 A liquefação é um fenômeno que ocorre quando solos não-coesivos, fofos e parcialmente saturados são solicitados por um carregamento não-drenado, seja monotônico ou dinâmico. Em ambos os casos, ocorrem variações de poropressão em razão das deformações geradas, até que as tensões efetivas são anuladas e o peso do material é transferido dos pontos de contato entre grãos para a água, levando-o a fluir (TERZAGHI, 1925). De acordo com Casagrande (1975), uma mudança na estrutura do solo não-coesivo inicia em um ponto específico do maciço e se propaga instantaneamente, como uma reação em cadeia, até que todo o movimento se encerre e uma nova estrutura estática seja alcançada. O solo torna-se metaestável, pois sofre rearranjo radical em sua estrutura e grande redução de volume quando inundado (CLEMENTE & FINBARR, 1981). Além de areias, solos arenosos e aterros não-coesivos, o fenômeno de liquefação também já foi observada em depósitos de rejeitos de mineração (KLEINER, 1976; JENNINGS, 1979; ECKERSLEY, 1985).

2.1.1 Estado Inicial

 Casagrande (1936) observou em laboratório que tanto a contração volumétrica em areias fofas quanto a dilatação das areias compactas resultavam em um mesmo índice de vazios crítico, no qual o material continuaria a se deformar sem variações de volume. Essa observação tornou-se a “pedra fundamental” do que posteriormente foi chamado Linha de Estado Crítico (LEC), que relaciona valores de índices de vazios críticos com diferentes tensões confinantes em um plano v vs. log p’.

A LEC (Figura 1a) delimita dois comportamentos no plano e vs. log σ’3c: o contrátil, caracterizado pelo solo em estado inicial fofo, que sofre redução de volume quando solicitado em condição drenada, ou perda de tensão efetiva pela mobilização de poropressão positiva quando solicitado em condição não drenada; e o dilatante, caracterizado pelo solo em estado inicial compacto, que sofre aumento de volume quando solicitado em condição drenada, ou ganho de tensão efetiva pela mobilização de poropressão negativa quando solicitado em condição não drenada. Ressalta-se que em condição não drenada não ocorrem variações volumétricas, mas em vez disso excessos de poropressão são mobilizados a opor-se à tendência de deformação volumétrica.

Em ensaios triaxiais CIU (adensado e não drenado), em razão das poropressões mobilizadas conforme supracitado, o comportamento dilatante é evidenciado quando as trajetórias de tensões efetivas se direcionam para o sentido positivo de p’, enquanto que no comportamento contrátil as trajetórias efetivas se curvam para o sentido negativo de p’ (Figura 1b). Podem ocorrer ainda comportamentos intermediários com trajetórias em formato “S”, a depender da compacidade do solo e da tensão de confinamento aplicada no ensaio.

Figura 1. a) Linha de Estado Crítico (Modificado de Ortigão, 2007); b) Comportamentos Contrátil e Dilatante nos ensaios triaxiais CIU (Modificado de Cruz, 2004).

Materiais susceptíveis à liquefação são aqueles em estado inicial fofo e com comportamento contrátil em carregamento não drenado, devido à perda de tensão efetiva por excessos de poropressão positiva. As forças de contato são transferidas para a água, provocando sua fluidez e rearranjo instantâneo de sua estrutura.

2.1.2 Distribuição Granulométrica e Finos Não Plásticos

 Terzaghi, Peck & Mesri (1996) apud Ishihara (1985) argumentam que rejeitos finos de mineração são susceptíveis à liquefação, pois a fração fina que os compõe é não-plástica. Os autores apresentaram uma faixa em que se observa percentuais passantes de 26% a 52% no diâmetro de 10 micrômetros (Figura 2).

Figura 2. Faixa de susceptibilidade à liquefação em rejeitos (Modificado de Terzaghi, Peck & Mesri, 1996).

2.1.3 Saturação

Não é necessário que o solo esteja 100% saturado para sofrer liquefação. Yoshimi, Tanaka & Tokimatsu (1989), apresentaram resultados de ensaios triaxiais cíclicos com areias finas de Toyoura com compacidade de 60% (mediana), cujo menor parâmetro B (SKEMPTON, 1954) ocorreu em saturações de 70% (Figura 3).

Figura 3. Relação entre Saturação (S) e Parâmetro B (Modificado de Yoshimi, Tanaka & Tokimatsu, 1989).

Sabe-se que o parâmetro B é dado pela razão entre o excesso de poropressão e o acréscimo de tensão confinante dos ensaios triaxiais CIU. Os autores demonstram que a resistência à liquefação aumenta com a diminuição do parâmetro B, embora um valor próximo a zero seja necessário para aumentos significativos na resistência à liquefação. O gráfico mostra que saturações acima de 85% levam a aumentos expressivos do parâmetro B, no entanto a boa prática recomenda valores até 80% para aterros dry stacking (DAVIES, 2011).

2.1.4 Permeabilidade e Velocidade de Carregamento

Depósitos sedimentares ou aterros com baixa permeabilidade experimentam maiores excessos de poropressão quando carregados em condição não drenada, tornando-os susceptíveis à liquefação. Portanto, para os rejeitos, a fração fina deve ser inferior à faixa apresentada na Figura 2 (TERZAGHI, PECK & MESRI, 1996), visto que percentuais maiores de finos implicam em redução dos vazios entre os grãos de maior diâmetro. Além disso, a execução de novas camadas compactadas deve obedecer a uma taxa operacional que proporcione tempo hábil para dissipar os excessos de poropressão gerados (FREIRE NETO, 2009).

2.2 Ensaio DSS Não Drenado e Aderência com Casos Históricos de Liquefação

 O ensaio DSS foi concebido para determinação da resistência ao cisalhamento dos solos. A amostra é consolidada anisotropicamente sob aplicação de uma tensão vertical e cisalhada pela aplicação de um carregamento horizontal. Para a condição não drenada, a tensão vertical aplicada deve ser variável pela manutenção de volume constante durante o cisalhamento (Ꜫy,máx ± 0,05%) (ABRAMSON et al., 2002; ASTM, 2017). Diferente dos ensaios triaxiais, o DSS permite a rotação das tensões principais com boa aproximação ao cisalhamento em campo, fornecendo resultados mais realísticos (Figura 4a).

Olson & Mattson (2008) analisaram resultados de 386 ensaios de laboratório entre DSS / RS (cisalhamento rotacional), compressão triaxial (TxC) e extensão triaxial (TxE) com amostras de solos arenosos, e observaram que as razões de resistência de pico nos ensaios TxC eram mais altas, enquanto nos ensaios TxE eram mais baixas e nos ensaios DSS e RS eram intermediárias (Figura 4b).

Figura 4. a) Cisalhamento Direto Simples não drenado (Autores); b) Razões de resistência de pico. Casos de ruptura de fluxo de Olson, 2001 (Modificado de Olson & Mattson, 2008).

Os autores concluíram que o modo e a trajetória de cisalhamento têm importante influência em pequenas deformações nas razões de resistência de pico. Freire Neto (2009) argumenta que o modo de cisalhamento na maioria dos casos históricos aproxima-se das condições do cisalhamento direto simples nas zonas de liquefação, o que explica a melhor concordância dos resultados dos DSS / RS com os valores retroanalisados.

3- ESTUDO DE CASO

3.1 Controles Tecnológicos

3.1.1 Caso-Base

 A pilha de disposição de rejeitos do estudo de caso segue controles tecnológicos baseados nos resultados obtidos em aterros experimentais e apresentados por Silva et al. (2023). O Caso Base, isto é, a caracterização base do rejeito a ser disposto, foi definido para receber as misturas 90/10 e 80/20 (% rejeito arenoso / % lama), cujo controle é realizado no misturador e peneiras de filtragem da usina de beneficiamento.

Quanto à faixa-alvo de umidade para controle de compactação, aspectos operacionais levaram à ajustes que permitissem a compactação dos rejeitos no ramo seco através do aumento da energia de compactação via vibração do rolo compactador. Desse modo, a performance de compactação não é prejudicada, e dispensa-se gasto de água e tempo para correção de umidade até a faixa alvo da energia padrão de compactação de campo.

A Figura 5 mostra a faixa-granulométrica e as curvas de compactação por ensaios Hilf e Proctor Normal que determinaram o Caso Base. Observa-se que a faixa de granulometrias é inferior ao intervalo de rejeitos susceptíveis a liquefação apresentados por Terzaghi, Peck & Mesri (1996).

Figura 5. Faixa Granulométrica e curvas de compactação do Caso Base (Silva et al., 2023).

3.1.2 Saturação, Grau de Compactação e Índice de Vazios In Situ

O acompanhamento das camadas compactadas foi realizado através da coleta de amostras de cilindro biselado ao lado dos respectivos pontos de coleta de material para realização dos ensaios Hilf, o que permite a liberação ou reprovação da camada em curto prazo. Caso liberada, a amostra do cilindro biselado é usada para aferição de umidade, w, e densidade seca, γd, enquanto o material remanescente do ensaio Hilf é usado para determinação da massa específica dos grãos, γs.

Com a determinação dos índices de estado supracitados, é possível calcular o índice de vazios, e por fim o grau de saturação in situ por meio das correlações clássicas da Mecânica dos Solos (PINTO, 2006):

e = (γs / γd) – 1                (1)

S = (γs . w) / (e . γw)        (2)

Os dados estatísticos de índice de vazios, grau de compactação e grau de saturação das camadas são apresentados na Tabela 1, correspondente a um total de 955 amostras coletadas em 41 camadas. Os valores de grau de compactação e índice de vazios mostram que os rejeitos compactados se enquadram majoritariamente no Tipo 1 (comportamento dilatante), de acordo com Silva et al. (2023). Além disso, a saturação encontra-se inferior ao limiar de 80%, conforme apresentado por Yoshim, Tanaka & Tokimatsu (1989).

3.2 Resultados

Os ensaios DSS não drenados e triaxiais CIU foram realizados com amostras talhadas de dez blocos indeformados coletados em diferentes camadas e setores de disposição da pilha de rejeitos. Foram ensaiadas quatro amostras de cada bloco nas tensões verticais iniciais (DSS não drenado) e tensões confinantes (CIU) de 100, 200, 400 e 800 kPa. Foram considerados os resultados entre os percentis 10% e 90% em cada nível de tensão, com o objetivo de eliminar outliers sem alteração significativa na média.

3.2.1 Ensaios DSS não drenados

 Analisando o gráfico γ vs. Δu (Figura 6a), nota-se que a maior mobilização de poropressão ocorre em deformações cisalhantes de 3% a 4% nas tensões iniciais de 100 kPa e 200 kPa e de 4% a 6% nas tensões de 400 kPa e 800 kPa. A partir desses níveis de deformação, a poropressão começa a se dissipar e as amostras ganham resistência. São apresentadas as envoltórias de resistência para as tensões de pico e para o nível de máxima mobilização de poropressão na Figura 6b.

Partindo para as razões de resistência não drenada pelos mesmos critérios das envoltórias apresentadas, é observado na Figura 6c que nas máximas poropressões o intervalo de valores Su/σ’v0 aproxima-se bastante ao intervalo de resultados da retroanálise de Olson (2001) sobre os casos históricos de liquefação por fluxo. Superado o nível de pequenas deformações, as amostras ganham expressiva resistência até atingir o pico (Figura 6d), e o intervalo de valores Su/σ’v0 torna-se muito superior à faixa dos casos históricos, sugerindo que o material apresentou comportamento strain hardening.

Figura 6. Ensaios DSS não drenados. a) Poropressões mobilizadas; b) Envoltórias de resistência de pico e máxima poropressão; c) Su/σ’v0 na máxima poropressão (pequenas deformações); d) Su/σ’v0 na resistência de pico (Autores).

3.2.2 Ensaios Triaxiais CIU

Os resultados dos ensaios triaxiais CIU mostram que todas as amostras apresentaram comportamento dilatante, evidenciado pela mobilização de poropressão negativa a partir de pequenas deformações (Figura 7a) e a curvatura das trajetórias de tensões efetivas para o sentido positivo de p’ (Figura 7b).

Figura 7. Ensaios triaxiais CIU. a) Poropressões mobilizadas; b) Trajetórias p’ x q (Autores).

4- AVALIAÇÃO E DISCUSSÕES

 As amostras da pilha de rejeitos compactados estudada apresentaram comportamento dilatante, ou seja, excessos de poropressões negativas foram mobilizadas quando o rejeito foi solicitado em condição não drenada. Para que o solo ou rejeito seja susceptível à liquefação, deve apresentar comportamento contrátil na referida condição de carregamento. O Caso Base apresentado por Silva et al. (2023), adotado para a definição das misturas do rejeito arenoso e lama, apresenta percentuais passantes inferiores aos rejeitos finos susceptíveis conforme Terzaghi, Peck & Mesri (1996), o que lhe confere permeabilidade adequada para a dissipação da poropressão a partir de baixas deformações.

Os dados estatísticos dos índices de estado mostram que os rejeitos compactados se enquadram majoritariamente no Tipo I descrito por Silva et al. (2023). Além disso, os valores de saturação in situ estão abaixo do 80%, limiar assumido em observância a Yoshimi, Tanaka & Tokimatsu (1989) e Davies (2011).

Os resultados dos ensaios DSS mostram que a fase inicial de carregamento das amostras, em pequenas deformações cisalhantes, é o período mais crítico no que se refere aos excessos de poropressão que são mobilizados. Nessa fase, a razão de resistência não drenada aproxima-se dos valores de retroanálise dos casos históricos de fluxos de liquefação apresentados por Olson (2001), porém após o nível de baixas deformações as amostras apresentaram resposta de ganho de resistência ao cisalhamento direto simples, e as razões Su/σ’v0 afastam-se do intervalo dos casos históricos para valores maiores. A aproximação inicial de Su/σ’v0 pode ser relacionada à quebra do embricamento entre partículas durante o carregamento das amostras ensaiadas, ou pode ainda ser uma observação quanto aos cuidados necessários para que a estrutura não adquira nível freático permanente em seu interior, uma vez que a saturação do maciço eleva o excesso de poropressão mobilizado do rejeito compactado se solicitado em condição não drenada, podendo reduzir Su/σ’v0 durante o carregamento a um ponto de não retorno.

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados dos controles tecnológicos conferem ao rejeito de minério de ferro características que o diferencia dos materiais liquefeitos dos casos históricos de liquefação, desde que tomados os cuidados para que não ocorra a elevação do nível freático dentro da PDR (monitoramento de instrumentação e drenagem interna adequada).

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à VALE e à BVP pela disponibilização dos dados e materiais utilizados.

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